O conceito de H2H, sigla para Human-to-Human (de humano para humano), representa uma das transformações mais significativas no campo do marketing nas últimas décadas. Em oposição às abordagens tradicionais B2B (business-to-business) e B2C (business-to-consumer), o H2H coloca as relações humanas no centro das estratégias de comunicação, vendas e fidelização. A lógica é simples: independentemente de quem está do outro lado, seja uma empresa ou um consumidor final, a decisão é tomada por pessoas. E pessoas são movidas por emoções, valores, contextos sociais e necessidades particulares.
A expressão “H2H” foi popularizada por Bryan Kramer em 2014, em uma época em que o marketing digital crescia exponencialmente, mas ainda carecia de empatia nas interações. Segundo Kramer, “empresas não têm emoções, mas as pessoas sim”. Essa ideia ganhou ainda mais força com o respaldo de Philip Kotler, considerado o pai do marketing moderno, que reiterou que o marketing é essencialmente sobre pessoas, não sobre produtos. Em entrevistas e palestras recentes, Kotler defende que a evolução natural do marketing passa por um olhar mais humanizado, no qual se constrói valor mútuo com todos os stakeholders, não apenas clientes, mas também colaboradores, fornecedores e a sociedade como um todo.
Kotler, inclusive, já havia antecipado essa direção ao introduzir o conceito de marketing societal, ainda na década de 1970. Para ele, o marketing não deve visar apenas o lucro ou a satisfação momentânea do consumidor, mas também considerar os interesses a longo prazo da sociedade. Em sua visão mais recente, esse pensamento se traduz em estratégias mais éticas, transparentes e orientadas à construção de relacionamentos duradouros. O H2H, portanto, é uma extensão natural dessa linha de pensamento, adaptada ao contexto atual em que tecnologia, dados e comportamento do consumidor se fundem em uma nova lógica de conexão.
Em um mundo saturado por ofertas, diferenciais técnicos e preços similares, o que de fato cria valor é a experiência que as marcas proporcionam. E essa experiência só é positiva quando há empatia e escuta ativa. De acordo com dados da Zendesk, 57% das empresas têm como prioridade melhorar a experiência do cliente nos próximos 12 meses. Além disso, 31% afirmam querer fortalecer a confiança com seus consumidores. Isso mostra que, mais do que promover produtos, as marcas estão percebendo que precisam promover relações.
Aplicar H2H na prática exige um novo mindset dentro das organizações. É necessário, antes de tudo, abandonar a linguagem corporativa excessivamente técnica e adotar uma comunicação clara, direta e empática. Isso se aplica tanto à publicidade quanto ao atendimento ao cliente, redes sociais e ações internas com colaboradores. Uma marca que conversa com seu público como um igual, sem imposições ou jargões, transmite autenticidade, e autenticidade gera confiança.
Outro aspecto fundamental do H2H é o uso estratégico da tecnologia. Embora possa parecer paradoxal falar de tecnologia em um modelo centrado em pessoas, a verdade é que, quando usada corretamente, ela potencializa, e não desumaniza, as interações. Ferramentas como inteligência artificial, automação de marketing e CRM permitem personalizar experiências e facilitar a jornada do cliente.
Segundo a Salesforce, 90% dos consumidores estão dispostos a gastar mais com empresas que oferecem experiências personalizadas. No entanto, 92% se frustram ao ter que repetir informações diversas vezes em atendimentos distintos. Isso mostra que a integração entre canais, por meio de soluções omnichannel, é essencial para garantir uma experiência fluida e coerente. Nesse contexto, Kotler ressalta que a IA deve ser uma aliada, e não uma substituta do profissional de marketing. Ela pode acelerar tarefas operacionais, mas não substitui criatividade, empatia ou pensamento estratégico. O equilíbrio entre tecnologia e toque humano é o que permite criar conexões verdadeiramente significativas.
Equipes de atendimento, vendas e relacionamento devem ser treinadas não apenas para seguir scripts, mas para escutar, interpretar contextos e responder com empatia. Isso significa que o atendimento precisa deixar de ser reativo para se tornar proativo, identificando possíveis dores e antecipando soluções. O mesmo vale para a produção de conteúdo e campanhas: ao invés de criar para todos, as marcas devem criar para alguém com nome, hábitos e desejos específicos. O marketing de conteúdo, nesse cenário, se torna uma das ferramentas mais poderosas do H2H, pois permite estabelecer um diálogo contínuo, relevante e emocional com as pessoas.
Ir além da fidelização e reputação, o H2H oferece vantagens competitivas, como:
• Vantagem competitiva sustentável: Em um mercado saturado, a conexão humana se torna um diferencial difícil de ser copiado. Enquanto produtos e serviços podem ser replicados, a autenticidade e a empatia na relação são únicas.
• Melhora da resolução de problemas: Com uma comunicação mais empática e proativa, as empresas conseguem resolver problemas de forma mais eficiente, muitas vezes antes que eles se tornem grandes crises, o que economiza tempo e recursos.
• Aumento do ticket médio e vendas cruzadas/up-sell: Clientes que se sentem valorizados e compreendidos tendem a ter maior confiança na marca e, consequentemente, estão mais abertos a experimentar outros produtos ou serviços, ou a gastar mais em cada compra.
• Feedback qualitativo e inovação: A escuta ativa, que é um pilar do H2H, gera um feedback mais rico e genuíno. Isso permite que as empresas identifiquem pontos de melhoria e oportunidades de inovação com base nas necessidades reais de seu público.
• Redução de custos com aquisição de clientes: Clientes fidelizados e satisfeitos se tornam defensores da marca, gerando boca a boca positivo e reduzindo a dependência de investimentos massivos em novas aquisições.•
Exemplos práticos não faltam. Uma padaria de bairro que conhece os gostos dos clientes habituais e os cumprimenta pelo nome está praticando H2H em sua essência. Da mesma forma, grandes empresas que implementam atendimentos omnichannel bem integrados, permitem que os consumidores transitem entre canais (como WhatsApp, e-mail e telefone) sem perder o histórico ou a personalização. Em campanhas publicitárias, vemos o H2H se manifestar quando marcas se posicionam de forma empática em temas sociais ou ao contar histórias reais de seus consumidores, fortalecendo a identificação emocional.
Além disso, o conceito de H2H também está presente em metodologias como design thinking e cocriação, nas quais as empresas desenvolvem produtos e serviços em parceria com seus públicos. Essa abordagem não apenas aumenta a chance de acerto nas entregas, mas também fortalece o senso de pertencimento e lealdade. Quando as pessoas se veem como parte da construção de algo, elas se envolvem emocionalmente com a marca.
É importante lembrar que o H2H também impõe desafios. Escalar empatia pode parecer contraditório, mas é viável com processos bem desenhados e tecnologias que respeitem a individualidade. Outro ponto de atenção é o uso ético dos dados. Personalizar não significa invadir a privacidade, e sim compreender contextos e oferecer soluções genuínas. Por isso, é essencial manter um canal de escuta ativo, investindo em pesquisas de satisfação, NPS, e análises qualitativas.
Kotler destaca que o marketing do futuro será definido por ética, empatia, dados e tecnologia guiada por valores humanos. Nesse sentido, o H2H não é apenas uma tendência, mas uma exigência em um cenário onde o consumidor está cada vez mais consciente, exigente e conectado. A construção de uma marca sólida, com relações duradouras e verdadeiras, passa necessariamente por reconhecer que, no fim das contas, todas as transações são, acima de tudo, relações entre pessoas.
“O marketing deve ir além da transação. Deve construir relacionamentos duradouros e significativos com os clientes, compreendendo suas necessidades e aspirações mais profundas.”
Assim, investir em H2H é investir em reputação, fidelização e longevidade. É entender que por trás de cada clique, compra ou reclamação existe uma pessoa com sentimentos, histórias e expectativas. E, como bem pontua Kotler, “impactar pessoas e ser impactado por elas” é o que move o marketing na sua essência mais humana.
Investir em H2H significa, em essência, investir na própria longevidade e relevância da marca. Ao reconhecer que todas as transações, por mais tecnológicas que sejam, são fundamentalmente interações entre pessoas, as empresas podem construir relacionamentos mais profundos e autênticos.
O marketing de Humano para Humano não é apenas uma tendência passageira, mas a nova normalidade e um pilar indispensável para quem busca construir reputação sólida, fidelização duradoura e crescimento sustentável em um mercado cada vez mais consciente e conectado. É a compreensão de que, por trás de cada clique, compra ou feedback, existe um indivíduo com suas próprias histórias, sentimentos e expectativas, e que a verdadeira conexão se estabelece ao honrar essa humanidade.